Em 1993, o ensaísta, romancista e crítico Ricardo Piglia publica La Argentina en pedazos, uma compilação de breves ensaios sobre alguns textos literários pertencentes à história da literatura argentina. Definido como “uma história da violência argentina através da ficção”, o livro traz, em suas páginas, passagens de textos de autores-chave da literatura produzida no país, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Horacio Quiroga e Roberto Arlt, acompanhadas de narrativas gráficas que são adaptações de trechos dos textos literários selecionados e elaboradas por diversos roteiristas e desenhistas que compunham o quadro editorial da revista underground especializada em quadrinhos Fierro, que teve circulação entre os anos 1986 e 1992. Dentre elas, encontra-se a adaptação gráfica, elaborada por El Tomi e Manuel Aranda, de um episódio de Boquitas pintadas, romance do escritor Manuel Puig. Mais que apresentar a versão em quadrinhos de um recorte do romance de Puig – marcada por uma série de particularidades visuais que remetem ao kitsch, ao folhetinesco e à colagem narrativa, em uma alusão aos próprios jogos narrativos característicos desse escritor argentino –, o que se pretende neste trabalho é propor uma leitura da transposição intersemiótica presente no trânsito entre o literário e o visual da passagem adaptada do romance puiguiano, não somente enquanto um produto dotado particularidades pertinentes ao suporte em que foi publicada, mas também a partir de um conjunto de operações que envolvem estratégias de reestetização, de reelaboração criativa e de diálogo com o texto de origem, marcado por um conjunto de aproximações e de afastamentos entre o texto literário e o texto predominantemente visual.